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Estupro e suicídio: nuances de um difícil perdão




A vida, quando rodeada de flores e muita alegria, nos favorece ao não entendimento dessa realidade, a qual, quando isso é conosco, pensamos que é uma benção especial de Deus. Foi com esse pensamento que me entreguei à vida sem a devida atenção, pois, financeiramente, não me faltava nada: tinha um bom saldo na conta-corrente ao meu dispor, um belo e possante carro, estudava nos melhores colégios da minha cidade, tinha as meninas mais bonitas aos meus pés, enfim, eu me sentia um rei naquele meu lugar.

Meus pais eram pessoas boníssimas, trabalhavam muito gerenciando a produção da fazenda, herdada com a morte de minha avó que era viúva. Então, tudo para mim era muito fácil, o que eu desejasse, se eu não pudesse comprar, meus pais me davam.


Ingressei, aos meus 19 anos, numa das melhores faculdades de nosso estado, ocasião em que me mudei para a localidade onde situava a instituição. Fui morar em um aconchegante apartamento que alugamos. A faculdade era particular, por essa razão meus pais sacrificaram suas receitas para realizar o sonho de me ver formado, ter um título acadêmico, pois eu era filho único. Meus pais estavam muito orgulhosos de mim, vocês não têm ideia o quanto eu era mimado.


Assim que iniciei o curso, conheci dois amigos na faculdade. Logo sentimos afinidades e eu os convidei para dividir comigo o aluguel do apartamento, pois a minha intenção era diminuir os custos daquele curso para meus pais. Falei com papai do meu desejo e, apesar das objeções, concordou.


Os dois foram morar comigo no apartamento. No primeiro mês foi maravilhoso, porém à medida que fomos nos conhecendo e ficando mais íntimos, confidenciamos nossos pequenos segredos, desnudamos nossas personalidades. Foi assim que descobri que ambos eram usuários da maconha, porém o Júlio, como o chamarei para preservar nossas identidades verdadeiras, era também usuário de heroína. Ele era bem mais velho que eu e o Artur, o outro colega.


Júlio me contou sua história, disse que se viciou quando cursava o primário, falou que os pais dele também eram financeiramente controlados. Não entrou em detalhes da família, disse apenas que ele não combinava com o pai. Achei estranho, pois eu amava meus pais. Após nossas confidências, perguntou se eu me importava se ele usasse a heroína no apartamento. Disse-me que precisava dela e que se eu não concordasse ele sairia do apartamento e se mudaria numa boa. A forma como falou, me deu muita pena dele. Concordei, mas só pedi que não usasse quando meus pais fossem me visitar, pois sempre que eu ficava sem ir em casa por mais tempo, eles vinham me ver.


E assim que concordamos, a nossa vida prosseguia normalmente. A faculdade tomava todo nosso tempo em estudos, pesquisas, enfim, a rotina que o curso exigia. Dessa forma, era escasso nosso tempo para um descanso maior.


Artur não usava drogas ilícitas, apenas bebia muito uísque, porém guardava suas garrafas escondidas no seu quarto, enfim, não tinha nenhum problema com ele. Eu, por minha vez, gostava de tomar uma boa cerveja gelada. Assim, nas nossas folgas, cada um se divertia da sua forma e cuidava de seu vício, sem que nenhum interferisse na vida do outro. Nossa alimentação geralmente era no self-service, às vezes, à noite, pedíamos alguma marmita para o jantar, ou pizza, e dividíamos o custo desses extras sem nenhum problema.

Um ano depois, já nos sentíamos como família, então convidei os dois para irem passar um final de semana comigo na fazenda de papai, durante um recesso de férias. Somente Júlio aceitou o convite.


Quando chegamos à fazenda, o apresentei aos meus pais que, a princípio, o amaram, pois Júlio era muito cativante. No domingo à noite, Júlio foi embora e eu fiquei ainda alguns dias na fazenda para curtir [aproveitar] meus pais. Assim que Júlio partiu, meu pai me chamou e perguntou como ele era. Fez algumas perguntas sobre a família de Júlio. Perguntei a papai o porquê daquelas perguntas. Ele respondeu:


− Filho, eu gostei muito dele, pois é muito cativante, mas tem algo nele que não sei explicar. Tive medo dele, percebi algo no seu olhar que não sei o que é...


Então expliquei que era apenas uma impressão, elogiei Júlio e omiti os vícios. Lembro-me que meu pai me disse que se eu confiava em Júlio, quem era ele para discutir minha confiança, e fechamos aquele assunto.


Ao voltar para a faculdade, após as férias, encontrei Júlio muito abatido, triste. Alegou que havia brigado com seu pai e estava muito chateado, inclusive estava pensando em suicídio. Isso me preocupou, então passei a dar a ele uma atenção muito especial. Júlio passou a se comportar como um coitadinho, razão que o Artur se aborreceu e se mudou do apartamento, pois não concordou com a manha de Júlio. Disse-me que não acreditava naquelas lamentações, enfim, foi embora e eu continuei cuidando do Júlio como um irmão.


No entanto, com o passar do tempo, ele foi me chantageando emocionalmente, ameaçava se suicidar. Aos poucos, sem que eu percebesse, ele ia me incitando para que eu experimentar a heroína. Eu resistia ao convite, pois não tinha a intenção de usar nenhum tipo de drogas, a não ser minha cervejinha. Até que em uma daquelas noites, Júlio bebia cerveja comigo, e passamos da cota. Foi quando ele me disse que eu era para ele o irmão que ele nunca teve, pois ele era filho único também.


Naquele calor da solidão, misturado com a alegria, me permiti a experimentar uma pequena dose de heroína que ele me ofereceu. Eu estava quente sob o efeito das cervejas. O efeito da heroína, quando bateu no meu cérebro, fiquei louco: era um prazer, um delírio, uma sensação tão boa que não sei explicar. Era uma loucura! O meu mundo íntimo, o meu corpo se alterou tanto, que eu me sentia excitado, sentia cheiros de rosas que se misturavam com outros odores; eu via cenas coloridas, via pessoas diferentes e nuas, mulheres ofegantes me chamando, mas logo desapareciam e reapareciam. Eu queria me misturar com aquelas pessoas do delírio. Naquele embalo, ouvia um ritmo frenético que tocava, tirei minha roupa a pedido das mulheres desfiguradas que acenavam para mim, me convidavam para ir até elas. O apartamento havia se transformado numa espécie de boate, os desfigurados usavam drogas e sorriam... perdi o controle de mim. Vi que o Júlio também estava sem roupa. Lembro-me que ele me entregou mais uma porção da heroína, acho que mastiguei aquilo. Foi quando perdi o sentido de mim mesmo.


Acordei no outro dia no meu quarto, na minha cama e Júlio estava abraçado as minhas costas. Não tardei em descobrir que fui violentado por ele. Pulei da cama desesperado. Queria uma satisfação, uma explicação, quis reagir, mas estava tão fraco que não pude ficar em pé por mais tempo. Caí na cama novamente. Ele veio falar comigo, me acalmar. Quis agredi-lo, porém ele me dominou e me chamou de meu amor, dizendo que era apaixonado por mim...


Meu mundo desabou naquela hora! Ele continuou afirmando que sabia que eu era homossexual. Eu gritei com ele, pois nunca fui, nem pensei nisso. Eu era hétero! Então ele me ameaçou: se eu não ficasse com ele, contaria para os meus pais, para os colegas da faculdade. Fiquei sem saber o que dizer ou fazer. Desabei em prantos e me calei. Tive muito medo.


Naquela semana, não fui ao curso. Reagi e disse que se ele se aproximasse de mim eu o mataria. Ele sorriu e me mostrou as fotos que havia tirado na cena daquela horrível noite. Disse-me que mudara de ideia, que, na verdade, ele queria dinheiro para pagar dívidas e estipulou uma quantia muito alta. Garantiu que iria me deixar em paz no apartamento, mas para isso ele queria o dinheiro.


Era uma quantia muito alta, eu não tinha aquele montante na minha conta, então lhe falei que era impossível. Ele disse que iria dividir a quantia em quatro parcelas, que eu as tirasse de meu pai, uma em cada mês. Reafirmou que se assim não fosse, ele mandaria as fotos para os meus pais. Eu sabia que meus pais não resistiriam a esse impacto. Papai já não tinha tanta saúde como antigamente. Então, cedi àquela chantagem pedindo que ele fosse embora, pois eu iria arrumar o dinheiro.


Assim que Júlio saiu do apartamento, eu não tive coragem de pedir a meu pai o dinheiro para pagar aquele monstro. Sozinho, eu não conseguia parar de pensar na minha intimidade, na minha honra ultrajada, eu não poderia viver carregando aquela angústia comigo. Decidi forçar minha morte em um acidente de automóvel para que não parecesse um suicídio, pois, na realidade, eu não suportaria ver meus pais sofrendo por minha causa. Não queria que eles pensassem que foi suicídio. Assim dei cabo a minha vida.


Preciso falar que este meu desabafo de agora está me fazendo um certo bem, pois tudo que vivi, está muito vivo em mim: meu medo, minha vergonha, minha tristeza, a minha vida sem sentido. Sinto-me como uma angústia ambulante e sem fim. Fui convidado para desabafar minhas mágoas, então eu ofereço a minha triste experiência como subsídio aos que estudam o tema suicídio e suas nuances. Para isso, acrescento: assim que desencarnei no acidente, fui recolhido imediatamente para colônia Maria de Nazaré como suicida.


Lembro-me que entre os enfermeiros que me socorriam e me conduziam estava minha avó, ao meu lado o tempo todo, me acalmando, pois eu chorava muito. Não continha as minhas lágrimas, as lembranças de tudo era muito forte, minha vergonha era monstruosa, não só pelo suicídio, mas principalmente pelo ultraje sofrido, pois eu era um homem. Minha avó colocou a minha cabeça no seu colo e conversou comigo o tempo todo, me acariciando, até eu ser sedado.


Estou na Colônia há alguns anos em tratamento, submetido a intensas terapias psicológicas e doutrinárias, mas a aceitação de minha realidade está sendo muito difícil para mim. O estupro que sofri afetou minha alma profundamente. Tenho nojo de mim, da vida, das pessoas, apesar do amor que tenho recebido de nossos cuidadores. Posso dizer que está diminuindo a minha angústia depois que passei por uma terapia de regressão, onde me retroagiram a três reencarnações. Foi como pude compreender algumas razões.


Na primeira das três reencarnações me foi permitido rever e entender alguns detalhes: fui, em terras brasileiras, um rico fazendeiro, dono de centenas de cativos vindos da África - dos quais muitos sofreram castigos severos devido a minha índole violenta -, promovia e praticava estupros, este crime moral. Violentei muitas escravas novas e alguns outros jovens meninos escravos. Não me alongarei nesse relato, pois é uma ferida ainda muito viva em mim. Compreendo a gravidade que um estupro traz para aqueles que os sofrem e agora também para aqueles que os praticam. Creio que pude contar o suficiente para os estudos sobre esses temas, porém preciso deixar claro que a misericórdia divina é justa e amorosa para com todos, inclusive os infratores.


Diz o adágio popular “que aqui se faz, aqui se paga", e isso é verdade, mas se precisa ter cautela para o entendimento dele. No meu caso, por exemplo, não estava no plano de resgate o estupro que sofri, e sim um câncer muito agressivo no reto. Isso seria a forma de um resgate final, devido aos meus abusos daqueles tempos. Portanto, o estupro foi um acidente no percurso, pois Júlio ainda se encontra com a alma enferma pelo ódio. Nada vem por acaso. O Júlio de hoje foi outrora um feitor na minha fazenda, morava com sua família em minha propriedade, era casado e tinha uma filha muito nova, de uma beleza sem igual. Eu usei de minha autoridade e força e desvirginei à força a sua filha, que ainda era quase uma criança. Além disso, também os expulsei da fazenda. Eles desapareceram, porém soube, quando por aqui cheguei, que ele, por desgosto de tudo, se matou depois de ter envenenado a mulher e filha para não as verem sofrer. E mais: eu o rejeitei em um dos planejamentos reencarnatórios posteriores à tragédia, negando a ele a paternidade, atirando-o ao mundo sozinho.


Resumindo, o ódio dele se acendeu naquele nosso encontro, que não foi casual, e sim, pela lei de atração. Nosso enredo daria um triste romance de infinitas páginas, mas não me é permitido narrar e nem quero isso, pois somos muito atrasados em sentimentos bons, estamos longe da superação, não consigo sequer disfarçar o meu sentimento de mágoa para com ele. Não posso negar que tenho vontade de vingar-me dele. Esse enredo ainda varará séculos futuros. O que eu preciso por agora é me aceitar, domar os sentimentos ruins que carrego, que se agravaram com tudo que narrei.


Se minha triste experiência de vida servir a vocês como subsídio para entender sobre o que se passa por trás de qualquer suicídio, se minha história puder ajudar os jovens a compreender a importância da reencarnação, as lutas, as facilidades que alguns possuem, se compreenderem que tudo na vida tem um preço, que a vigilância recomendada por Jesus deve ser um imperativo constante, me sentirei mais aliviado. A dor e a angústia que vivo poderão ser evitadas para muitos jovens, pois, segundo soube, a liberdade da atualidade é sem limites, o que é um grande perigo para os invigilantes.


Peço desculpas se aconselho, pois sei da minha condição, estou comprometido com minhas mágoas decorrentes da experiência que passei. Posso dizer que isso torna meu suicídio insignificante diante de meus sofrimentos oriundos de meu passado. É tão deprimente minha realidade, que não posso nem mesmo me identificar, pois os protagonistas deste enredo, a maioria está como eu, com dificuldades imensas em perdoar verdadeiramente, alguns são puro ódio. No entanto, tenho me esforçado muito para isso, pois o perdão é tão fácil para os que estão de fora das tragédias, mas para quem as viveu na pele é muito diferente. O perdão é penoso tanto quanto o ato de pedi-lo.


Agradeço a todos que me deram esta oportunidade aqui no mundo espiritual. Ao médium, peço que Deus o abençoe juntamente com irmã que estão levando esta frente de esclarecimentos a humanidade sedenta deles. Desejo que esta jornada de vocês possa salvar muitas vidas e prevenir intensos e duradouros sofrimentos que são adquiridos pelas imprudências e ignorâncias das leis que nos regem. Rogo paz para todos, e humildemente peço que orem por nós os suicidas, pois de preces necessitamos muito.

Hoje assino como um irmão desolado, despedaçado, que busca força para continuar a viver mesmo se sabendo imortal, pois a vida continua, e muitos os suicidas estão mergulhados no mar de sofrimentos, dependendo somente de nós para sairmos dele. Irmãos, tenham isso em seus corações: o sofrimento maior não é o que está fora da alma, nem o que está onde vivemos, e sim, o que carregamos dentro de nós, pois este é o nosso inferno.

Assim me despeço de todos assinando o meu nome como Gratidão, pois é único sentimento que por agora lhes deixo.

Gratidão [Espírito autor]

É com as bençãos de nossa Mãe Santíssima que entrego a vocês esta lição, narrada pelo próprio autor, para os fins de estudo e compreensão da triste realidade que assolam o ser o humano, desde épocas remotas, que é o suicídio, que se compreenda o que está em torno dele antes e depois.


Os fatos são reais, mas fizemos alterações no pano de fundo e paisagens, para preservar pessoas que estão envolvidas e ainda se encontram em incessante marcha de evolução. Portanto, qualquer semelhança com esta história é uma mera coincidência. O importante são os ensinos que ela mostra.

Carinho e gratidão de sua irmã em Cristo Jesus.

Rosália [Organizadora Espiritual]

Jorge Couto [médium]

Psicografia recebida em 29/07/2020.


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